I – INTRODUÇÃO
No âmbito da Unidade Curricular de História da Cultura Portuguesa, este trabalho serviu de pretexto para um contacto mais directo com uma das mais importantes e célebres pinturas da Europa quatrocentista, que consiste no conjunto de seis tábuas, descobertas ocasionalmente em finais do século passado e a que se convencionou designar como “OS PAINÉIS”.
A minha curiosidade e interesse não foram então muito estimulados pela consulta de obras gerais, pecando estas pela excessiva generalização do tema, quase restringindo o interesse dos painéis ao grande valor da sua originalidade enquanto pintura e ao forte cunho psicológico do tratamento das figuras. Sobre o eventual pintor, não eram feitas mais do que algumas achegas, muito insuficientes e superficiais.
Mas, desde que iniciei a pesquisa, deparei ainda com um aspecto: vastas e constantes referências bibliográficas a um outro título que, a meu ver estranhamente, ocupava um lugar de maior relevo: a questão dos Painéis.
E sem querer, estava a pesquisar um tema que não era já o estudo dos painéis de S. Vicente de Fora, mas do que à sua volta se enredou num intrincado nó de problemas e questiúnculas sucessivas. Do interesse imediato e da curiosidade inusitada, despertos pelos Painéis, logo após a sua descoberta, muito rapidamente se passara a uma série infindável de polémicas, algumas delas grotescas e risíveis.
“À margem dos painéis, a questão opôs, aqui e ali, a sensibilidade de uns contra a (quantas vezes pretensa) erudição de outros, permeando as discussões com um espírito quezilento e abrindo — muito raramente — as portas a uma conjugação de esforços por parte dos variadíssimos intervenientes.
Desde que abandonaram S. Vicente de Fora, os painéis serviram de pretexto às mais fantasiosas interpretações, ao sabor de cada participante numa questão que, entre outras vicissitudes, pululou em congressos de história de arte, ao mesmo tempo que era noticiada, a guisa de mistério policial, nas páginas dos jornais; ora se apresentou como recheio de luxuosas publicações, como logo se apressava a baixar ao despretensiosíssimo do simples opúsculo; ou, ainda, serviu de temática a discussões acaloradas entre académicos, como, por outro lado, fez soltar as risadas de quem lia as páginas humorísticas de alguns periódicos.
Mas, no fundo, o que foi a questão dos painéis? Como e porque começou? A quem interessava (e interessará ainda)? …
…Na consideração de algumas etapas deste percurso — marcado à partida pela identificação da suposta figura do Infante D. Henrique e pela interpretação de um texto de Francisco de Holanda — alongado desde 1895 à actualidade, encontraremos, por certo, resposta para algumas destas questões.
Outras ficam aguardando uma análise sociológica da questão, ainda por fazer, e hoje tão necessária e reclamada quanto um estudo sério (contemplando também um exame científico) sobre os painéis.”[1] .
Não queria deixar de mencionar um trecho escrito por Jacques Le Goff, pois julgo que se enquadra muito bem no seio das polémicas sobre os Painéis: “A história deve utilizar todas as provas que tem à mão, tirando de cada tipo de provas o contributo específico que podem dar e estabelecendo uma hierarquia entre elas, mas não com base nas predilecções próprias do historiador e sim no sistema de valores do período estudado” [2]